Sinodalidade: a vacina contra o vírus do clericalismo e das relações abusivas

Compartilhe nas redes sociais

Facebook
WhatsApp
Twitter
Telegram

Estamos nos readaptando a um período pós-pandemia. Voltamos a nos reencontrar, as restrições vão diminuindo, as máscaras têm ficado mais raras. Despertava curiosidade saber como seríamos após a Pandemia. Houve quem apostasse que a humanidade aprenderia de vez a lição, e seríamos homens e mulheres melhores. Bom, não é o que temos visto. Nossas vaidades, nosso egoísmo, nossa indiferença, vão muito bem, obrigado.

Sem dúvida que o processo de vacinação, – para além de todo negacionismo e teorias da conspiração – se mostrou eficaz. Pouco a pouco, as taxas de internações foram caindo, a vida foi voltando ao normal, ou ao ‘novo normal’, como se costumou dizer.

Quem sabe pudéssemos tomar a importância da vacina como metáfora do período eclesial que estamos vivendo!? Há um vírus a ser combatido, e é preciso a união de todos para que a vacina ou o antídoto sejam eficazes.

Pois bem, este vírus se chama “clericalismo”, que antes de ser algo relacionado somente ao clero, indica uma mentalidade eclesial, que separa a vida entre elite e ralé, entre cristãos do tipo A e cristãos de tipo B. Isso teria algum respingo na Vida Religiosa? Parece que sim.

Um dos temas que têm saído debaixo do tapete na Vida Religiosa é o abuso de poder, de autoridade e de consciência, que nada mais é do que separar a comunidade religiosa em tipo A e B: “manda quem pode, obedece quem tem juízo!”. Mas, o que isso tem de testemunho evangélico? Absolutamente nada! Pelo contrário, é um contratestemunho de tudo aquilo que professamos; a contradição mais visível do ideal de consagrar-se como servidora/servidor do Evangelho e das pessoas, em se reconhecer como os frágeis e pequenos à margem do caminho.

Quando ouvimos a palavra ‘abuso’ geralmente a associamos ao abuso sexual, mas este é somente uma forma de ser abusivo, talvez a pior delas. Para não desviarmos nosso foco, é melhor falar “relações abusivas”, aquelas em que não há um outro com quem se relacionar em pé de igualdade, alguém com sentimentos, vontades, paixões, dores e cansaços, mas meramente alguém abaixo de mim, sobre quem eu posso despejar minhas vontades insaciáveis. Tudo, é claro, em nome da obediência. Vamos falar mais disso:

A Vida Religiosa, ao longo dos tempos, crivou uma imagem dos ‘superiores’ (repare que a palavra não é boa!) como uma espécie de semideuses, cujos desejos e vontades deveriam ser acatadas a todo custo. Como punição pela desobediência viriam as perseguições, as ‘marcações’, as restrições disso e daquilo. Porém, é sempre bom lembrar: “A obediência por si mesma, não é primariamente uma virtude de ascese ou de renúncias: é virtude de participação para descobrir a vontade do Pai, sob a direção da autoridade legítima. Ela está particularmente ligada às grandes virtudes e valores do viver cristão: koinonia, diakonia, carismas, caridade” (GOFFI, 2012, p. 1776). A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, por sua vez, insiste: “Nenhuma irmã [ou irmão] deve ser relegada a um estado de sujeição, o que infelizmente se verifica com frequência. Esse estado favorece perigosos infantilismos, podendo impedir a maturação global da pessoa” (n. 40).

Obedece-se ao Reino, à voz do Pai, que sempre provocará seus filhos e filhas para que dê saltos mais altos, encare desafios grandes, afinal, Deus é um Pai que, por acreditar em seus filhos e filhas, os incita a realidades, por vezes, nem imaginadas.

Da parte do clero, também o vírus do clericalismo tem deixado sequelas. O que a escuta sinodal tem apontado é que uma mentalidade autoritária, apartada dos demais, deve ser corrigida desde a formação inicial, pois é mais fácil modelar o barro enquanto estiver mole.

As cobranças depositadas, a autoimagem alimentada, não raras vezes exercem uma força que, ao não ser correspondida, pode causar efeitos devastadores na vida do presbítero. Imaginar-se como alguém irrepreensível, altamente capacitado, pode não corresponder à realidade dos fatos. Não entraremos nessa seara, mas só queremos dizer que o vírus do clericalismo atinge toda a Igreja, inclusive vitimiza os próprios presbíteros.

Mas haverá antídoto contra este vírus? É possível sanar seus estragos? Este tem sido o desafio atual da Igreja, inclusive da Vida Religiosa.

É possível tomar uma vacina, a fim de evitar a ação do vírus do clericalismo e das relações abusivas? Depois de muitos testes, experimentações, o Papa Francisco apresentou uma possível solução: “Eureka!”, eis o que pode evitar todos esses males: a Sinodalidade, que propõe uma Igreja mais circular, participativa, que valoriza a maturidade dos fiéis, no dom e na responsabilidade batismal.

Viver uma Igreja Sinodal é reconhecer a preciosidade de cada pessoa consagrada, o que impede de rebaixá-la ou de se considerar ‘superior’ às demais. Uma Igreja, uma Vida Religiosa participativa, de pessoas felizes, maduras, entregues à causa do Reino, devotadas em ser verdadeiramente irmãos e irmãs uns dos outros.

Mas, como na vacina da Covid-19, não basta uma única dose (“angu de um dia não engorda cachorro”), é preciso as doses de reforço, ou seja: é preciso reforçar sempre mais que este vírus entre nós não deve ter lugar!

E aí, você está com a vacinação em dia?

 

 

 

 

 

 

Frei Oton Júnior, ofm

Equipe interdisciplinar da CRB Nacional

Equipe Teológica da CLAR

freioton@gmail.com

 

Publicações recentes

Faca a sua inscrição aqui.  

Encontro GRENI – MG

Se aproxima mais um encontro do GRENI/BH. Contamos com a sua presença e participação para que, juntos, façamos acontecer o nosso encontro e que será

Perpinter 2024

Datas dos Encontros: I Etapa: 17-19 de Maio II Etapa: 13-15 de Setembro Local: Mosteiro Macaúbas Assessores: Ir. Ana Vilma e Pe. Antônio Ferreira Faça