CRB – Elementos de sua memória (6)

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A década que segue ao término do Concílio Vaticano II (1965), ou seja, o período imediatamente pós-conciliar, merece uma abordagem mais particularizada.

Evidentemente, não podemos estudar a CRB como se fosse uma realidade estanque. Ela está dentro de um contexto histórico marcado por grandes mudanças, no âmbito de uma verdadeira “mudança de época” e não apenas de uma “época de mudanças”!

Tomamos como pontos de referência a II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín (1968) e a III Conferência, em Puebla (1979).

 

São anos assinalados por uma profunda crise na VR. Distinguimos aqui os dois sentidos do termo: um tempo marcado por desorientação, desequilíbrios, incertezas, insegurança e desânimo, ou um tempo de purificação (“catarse”), um crisol limpando a escória que, ao longo dos anos, se incrustou nas Instituições e nas pessoas. Neste último sentido é algo positivo, pois conduz a uma purificação que desmascara o relativo que se tornou absoluto e o absoluto que se tornou relativo.

 

No período em pauta colocou-se fortemente a pergunta sobre o próprio “razão de ser” da Vida Consagrada, a interrogação sobre sua identidade e seu futuro. Ao lado de muitas incertezas e desvios, prevaleceu no entanto uma mais atenta escuta da Palavra de Deus tanto na Escritura, quanto nos “sinais dos tempos”. Não tem sido um processo fácil, ao contrário, apresentou-se como uma procura fatigante e, às vezes, bastante dolorosa e decepcionante.

 

Já foi dito que a caminhada da Igreja e dentro dela da CRB, nos anos entre 1968 e 1979, não pode ser bem entendida sem referências ao contexto histórico. Na impossibilidade de explicitar mais detalhadamente os múltiplos elementos desse contexto, assinaremos apenas alguns fatos marcantes, símbolos dos “novos tempos” que estavam surgindo.

 

O Ocidente vivia a constante ameaça da “Guerra Fria”, o conflito político-ideológico entre os EE.UU. e a USSR. Polarizou o mundo em dois blocos hegemônicos, um alinhado ao capitalismo e outro ao comunismo.

Em maio de 1968 houve, em Paris, na França, violentos protestos de estudantes — logo depois endossados pelos operários — contra uma sociedade conservadora e exclusivista, mostrando abertamente uma insatisfação generalizada. Os gritos e ações em prol de uma ampla e irrestrita liberdade (“É proibido proibir!”) contra as convenções puramente formais e uma sociedade de aparências, revelam uma “campanha anti-cultural” e acena a tendências nitidamente secularizantes. Em ondas sucessivas esse movimento rebelde atinge outros países e continentes, inclusive o Brasil.

 

Naqueles anos estava se consolidando em nosso país o “regime de exceção” dos militares, que tinham tomado o poder em 31 de março de 1964. Os sucessivos “Atos Institucionais” eliminem, passo a passo, os direitos civis e políticos da população. A ditadura militar é apoiada pela “Doutrina de Segurança Nacional”, uma arma para eliminar todo e qualquer adversário do regime. Na realidade, os militares no poder representam politicamente os interesses exclusivistas do capitalismo e de grupos economicamente dominantes. A Igreja Católica será, durante os 21 anos de vigência da ditadura, uma das poucas instâncias de defesa dos direitos fundamentais do povo, particularmente dos mais vulneráveis.

 

O processo de secularização da sociedade em curso no Ocidente, particularmente nos países nórdicos da Europa, avançará também no Brasil, embora frequentemente camuflado por uma aparente religiosidade. Em texto posterior analisaremos mais detalhadamente esse fenômeno, que não deixa de afetar significativamente a VR.

 

Em julho de 1968 é eleito presidente da CRB-Nacional, o então provincial dos Jesuítas, Padre Marcello de Carvalho Azevedo, SJ. Sua rica e multifacética personalidade marcará inegavelmente a presença da CRB de 1968 a 1977.

Documentos da época registram crescentes mudanças na concepção da VR, tal como existia até o Concílio Vaticano II. Assinalaremos apenas algumas, que aparecem mais explicitamente em documentos importantes daqueles anos.

 

No Documento de Medellín (1968), na Parte 12 sobre “Os Religiosos”, é dito que “a situação da AL não pode deixar inativos os religiosos… [Percebemos fortes críticas entre os religiosos jovens em relação a] “seus próprios Institutos e comunidades, acusando a VR de alienação fundamental relativamente à vida cristã e de inadaptação ao mundo de hoje”. De sua parte, os bispos consideram que “ a colaboração do religioso no desenvolvimento integral é algo vital e inerente à sua própria vocação” (n. 10 e 11).

 

Interessante notar que já neste documento episcopal de 1968 é feita menção da crise na VR: “Por causa dessa situação de transformação e insegurança, ocorrem numerosas deserções nos Institutos. Nesses caso, é necessário um espírito de compreensão fraterna que facilite ao máximo o reajustamento psicológico e social daqueles que deixam a VR” (n.9).

 

Em 1972 é lançado o livro do Padre Raymond Hostie, SJ, Professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Louvaina (Bélgica), com o título Vie et mort des ordres religieux. Approches psychosociologiques, um estudo penetrante sobre o “ciclo de vida” dos Institutos Religiosos e as condições para um reavivamento quando se constata uma curva existencial em franco declínio. Trata-se de uma publicação que conserva plena validade após 50 anos de sua divulgação.

 

Em 1973, a CLAR (Confederação Latino-Americana de Religiosos) publica o opúsculo: Vida no e segundo o Espírito nas comunidades religiosas da América Latina. Temos em mãos uma bela e significativa abordagem da VR pós-conciliar no novo contexto da AL. Na apresentação, o presidente da CLAR, Padre Carlos Palmés, SJ, explica: “Foram necessários 860 páginas para recolher as observações e contribuições dos religiosos da AL ao Documento de Trabalho sobre a Vida segundo o Espírito. Tal fato é a expressão do extraordinário interesse suscitado por um tema que trata diretamente da espiritualidade própria do religioso latino-americano e manifesta uma ânsia profunda de viver o que constitui a própria essência de sua vocação, [Que essa publicação] possa ajudar-nos mutuamente a viver com mais autenticidade e intensidade nossa consagração. (…) Devemos partir de uma profunda experiência de Deus, que nos faça recuperar a alegria e a vitalidade primaveril vivida pelos nossos fundadores. (…) É a experiência vital que nos fará encontrar nossa identidade mais profunda e o sentido de nossa missão na Igreja e, ao mesmo tempo, nos fará sentir a alegria serena e transparente das bem-aventuranças”.

 

No que diz respeito à participação na missão evangelizadora da Igreja pós-conciliar, o Papa Paulo VI, na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, de 8 de dezembro de 1975, escreve: “Os religiosos têm na sua vida consagrada um meio privilegiado de evangelização eficaz. Pelo mais profundo do seu ser, eles situam-se de fato no dinamismo da Igreja, sequiosa do Absoluto de Deus e chamada à santidade. É dessa santidade que dão testemunho. Eles encarnam a Igreja desejosa de se entregar ao radicalismo das bem-aventuranças. Eles são, pela sua mesma vida, sinal de uma total disponibilidade para Deus, para a Igreja e para os irmãos. (…) Quem é que não avalia a imensa quota-parte com que eles têm contribuído e continuam a contribuir para a evangelização? Graças à sua consagração religiosa, eles são por excelência voluntários e livres para deixar tudo e ir anunciar o Evangelho até às extremidades da terra” (n.69).

 

Concluindo esta primeira parte do período em pauta (1968-1979) podemos afirmar que em meados da década de 70 do século passado, a CRB conseguiu realizar efetivamente uma maior união e comunicação entre os religiosos do Brasil. Dizia o Frei Constâncio Nogara, OFM, secretário executivo da CRB-Nacional, no seu relatório por ocasião da IX Assembleia Geral da CRB, em julho de 1971: “Os frequentes encontros, assembleias, cursos, geraram um clima de mútua confiança e ajuda entre os religiosos e as religiosas. O isolamento em face a outras famílias religiosas, com o intuito de se proteger, de conservar a pureza do carisma, buscando no interior do próprio Instituto todos os meios de subsistência e promoção, foi quase totalmente eliminado. Hoje, o que notamos entre nós é um voltar-se um para o outro, seja para a formação de membros, seja para a renovação dos religiosos de mais idade, seja para a reflexão sobre o sentido teológico da VR. Um sinal deste trabalho são os múltiplos noviciados e junioratos intercongregacionais, e a criação de institutos teológicos”.

 

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Frater Henrique Cristiano José Matos.

Membro da Congregação dos Irmãos (Fráteres) de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, frater Henrique é pesquisador da história da Igreja, área na qual tem diversas publicações. Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1969), graduação em Curso Superior de Pedagogia – Pedagogische Akademie Sint Stanislaus (1964), mestrado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1984) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1989).

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