CRB – Elementos de sua memória (4)

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Um setor da CRB que se expandiu muito além do previsto era o dos “serviços materiais” com sua rede de mercadorias “a baixo custo”, que abrangia produtos que iam desde vinho de missa até carros importados! (Embora seja verdade que o “Serviço de Importação” foi encerrado em 1957) Esta fisionomia empresarial da CRB era sustentada pelo então secretário-geral, o Padre Irineu Leopoldino de Sousa, SDB, com seu conhecido lema: “Na união, todas as vantagens!” e “O dinheiro dos Religiosos para os Religiosos”! Enquanto os Departamentos eram considerados “atividades-fins” da Conferência, os serviços (entre eles a Procuradoria) constituíam “atividades-meio” para sustentar financeiramente os primeiros. Na realidade, a CRB ficou mais conhecida entre o grande público pela parte de “vendas” e “bons negócios”, incluindo nisso o importante “Serviço de Viagens”, tanto nacionais e, sobretudo, internacionais, aéreas e marítimas,  o que provocou constantes tensões no interior da Conferência e no seu relacionamento com outras instâncias, entre elas a CNBB.

As dificuldades com os Bispos, que com desconfiança viam crescer o aspecto empresarial da CRB, seriam em boa parte solucionadas com a eleição, em 1959, de um  novo secretário-geral na pessoa do  Padre Tiago Cloin, redentorista. Ele perseguiu sistematicamente dois objetivos: garantir um bom entrosamento entre CRB e CNBB e sensibilizar os religiosos de seu papel na Pastoral de Conjunto. Houve, a partir deste momento, uma guinada na orientação da Conferência. Começou-se a dar prioridade a atividades mais diretamente ligadas à finalidade fundacional da CRB: promover a vitalização da vida religiosa no seio de uma Igreja em processo de renovação.

Paulatinamente consolidou-se entre os religiosos no Brasil a dimensão eclesial de sua vocação, expressa em engajamento pastoral concreto. Assim, em 1962, o próprio Dom Helder Câmara, na qualidade de secretário-geral da CNBB, veio falar na Assembléia da CRB sobre o Plano de Emergência e o que se esperava dos religiosos na sua execução. Um dos frutos da mútua colaboração foi a fundação do CERIS, de que já falamos anteriormente, com a unificação da estatística católica do país inteiro, resultando na publicação do “Anuário Católico do Brasil”, como também do Instituto Pastoral, em São Paulo, iniciativas sustentadas por ambas as Conferências. Notável foi, igualmente, a participação de religiosas e religiosos em experiências-piloto de base no Nordeste, destacando-se a de Nísio Floresta, RN,  onde irmãs assumiram uma paróquia em serviço de suplência pastoral.

O Concílio Vaticano II (1962-1965) trouxe também na VR grandes mudanças para as quais muitos religiosos e religiosas não estavam preparadas. Com força emerge a dimensão missionária da vida consagrada. No meio do Povo de Deus os religiosos têm uma missão específica que dá sentido à sua consagração. Ao término do Vaticano II, os religiosos do Brasil expressam publicamente sua disposição de participar ativamente no Plano Pastoral de Conjunto, aprovado pela CNBB, ainda em Roma. Na Declaração dos Superiores e Superioras reunidos na VII Assembléia Geral (Rio de Janeiro, 21 a 23 de julho de 1965), lemos o seguinte significativo trecho “Em especial manifestam o seu apreço, confiança e satisfação em poder trabalhar em obediência a seus compromissos religiosos dentro do Plano de Pastoral de Conjunto, desenvolvido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, de tal forma a colaborar eficientemente na sua realização”.

As inovações que o Concílio Vaticano II trouxe provocaram reações contrárias entre os religiosos. Abriu-se para eles um mundo em boa parte desconhecido até então. O confronto com a realidade, particularmente nos grandes centros urbanos, fez que conhecessem  uma sociedade em processo de secularização com fortes tendências para o subjetivismo. Não poucos consagrados procuraram naqueles anos recuperar “um atraso cultural” em relação à modernidade, adaptando-se, às vezes sem critérios seguros, ao estilo considerado moderno e “normal” da vida. Muitas Famílias Religiosas tiveram de equacionar-se no que diz respeito ao modo de vestir e de morar. Surgem as “pequenas comunidades” do meio urbano (os “apartamentos”), onde se buscam novos relacionamentos e um estilo diferente de exercer a autoridade. A procura frenética de profissionalização por parte  de não poucos  religiosos (e mais ainda de religiosas) daqueles anos está diretamente associada a este fenômeno.

De outro lado, um contato mais realista com o mundo da pobreza e da marginalização social faz com que setores significativos de consagradas e consagrados optem por um tipo de vida mais simples, despojado e evangélico, com o explícito desejo de solidarizar-se efetivamente com o povo sofrido. Esta vida religiosa “inserida” mostrar-se-á no decorrer dos anos um fator de grande fecundidade para uma autêntica renovação da VR. Na supramencionada Declaração de julho de 1965, os Superiores Maiores já afirmaram sua solidariedade com os menos favorecidos: “ “Na vivência cotidiana da ação apostólica, abrem [os religiosos] os olhos e o coração de forma especial para todos aqueles que pelas circunstâncias dos tempos ou dos lugares, pelas dificuldades da vida e situações ingratas, se encontram em maior necessidade, pobreza, ou em condições de maior urgência, pretendendo assim dar as suas preferências àquelas do Salvador, que veio para evangelizar os pobres e curar os doentes”.

As contradições do regime militar, implantado em 1964, aceleram entre os religiosos seu compromisso social para com os pobres e excluídos. Podemos falar neste contexto de um verdadeiro “profetismo”, que culmina em religiosos(as)-mártires daquela época.

Por volta de 1970 a CRB é sacudida por uma profunda crise que atinge o cerne de suas estruturas. Mas, antes da crise propriamente dita houve um incidente que envolveu a Sagrada Congregação para os Religiosos de Roma. Em fins de julho de 1969 chegou, furtivamente, às mãos da Diretoria Nacional da CRB um Informe do mencionado dicastério romano, Protocolo n.AG 2585/68, datado de 4 de janeiro de 1969 e assinado por D.G. Nardin. A sua autenticidade foi confirmado pelo Núncio Apostólico. Neste documento se verbalizavam graves acusações contra membros da Hierarquia, particularmente a pessoa de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda-Recife, e contra a direção da CRB. Em nome da Diretoria Nacional o Padre Marcello de Carvalho Azevedo, SJ, reagiu mediante magistral defesa intitulada “Resposta Oficial da CRB”, de 24 de setembro de 1969, endereçada ao Cardeal Prefeito da Sagrada Congregação para os Religiosos, Ildebrando Antoniutti. Lemos na carta introdutória do presidente nacional: “ A Diretoria Nacional da CRB não poderia deixar de se sentir profundamente contristada e ofendida, ao ser notificada indiretamente e quase por acaso de acusações graves a esta Sagrada Congregação por um número reduzido de pessoas contra a CRB e que, no entanto, parece terem encontrado eco a ponto de sobre elas ser elaborado o presente documento ….    É com surpresa e estranheza que tomamos conhecimento deste documento mais de um semestre após sua redação.”

Além de atingir pessoas em particular, as acusações contidas no Informe dirigem-se à orientação que a CRB dava à VR no Brasil no período imediatamente pós-conciliar. Sugere-se no documento a separação da única Conferência em dois ramos distintos. O ponto de vista da Diretoria Nacional contido na “Resposta Oficial” é inequívoca: “A CRB tem uma posição unânime, firmada na experiência, de que o melhor modo de se promover uma autêntica renovação e promoção da Vida Religiosa, é precisamente a integração das religiosas e dos religiosos numa única Conferência. Este trabalho integrado numa única CRB, sempre foi bem visto tanto pelos Superiores dos religiosos e das religiosas, quanto pelos senhores Bispos.”

A direção da CRB questionou na sua Resposta o teor global do documento acusatório: “Cremos que,  após estes esclarecimentos, a Sagrada Congregação se admirará com a CRB de que lhe sejam levadas acusações e denúncias tão desprovidas de rigor informativo. Mais ainda, de que tantas deduções se façam e de tanta gravidade, a partir de afirmações inconsistentes …”

A posição firme e madura da CRB fez o Núncio Apostólico no Brasil, Humberto Mozzoni, reconhecer, em correspondência ao Padre Marcello Azevedo (Protocolo n. 954, de 6-10-1969):  “Quanto ao documento, fui incumbido de fazer presente a Vossa Reverendíssima que se trata de um estudo apenas particular, redigido por um funcionário daquele dicastério, no intuito de oferecer elementos de juízo (sic).” Finalmente, o Cardeal Antoniutti, em carta datada 21-3-1970, comenta: “Esta Sagrada Congregação tomou conhecimento com desgosto da difusão dada ao conhecido documento confidencial e lamenta que um prurido de sensacionalismo tenha prevalecido em desfavor de superiores exigências de prudência e de caridade …”

O caso se encerrou sem maiores conseqüências práticas a não ser um enorme desgaste pessoal dos membros da Diretoria Nacional e particularmente de seu  Presidente.

Poucos meses depois do episódio da carta acusatória outra turbulência faria balançar a CRB como instituição. Continua…

 

Frater Henrique Cristiano José Matos.

Membro da Congregação dos Irmãos (Fráteres) de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, frater Henrique é pesquisador da história da Igreja, área na qual tem diversas publicações. Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1969), graduação em Curso Superior de Pedagogia – Pedagogische Akademie Sint Stanislaus (1964), mestrado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1984) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1989).

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