CRB – Elementos de sua memória (5)

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No início de outubro de 1970, manifestam-se sinais de uma crise de grandes proporções que se estenderia  por sete longos anos. As causas devem ser procuradas na área comercial e administrativa da Conferência, atingindo inclusive seu patrimônio imobiliário e mobiliário. A caótica situação financeira quase levou a CRB à falência. Graças à competência e tenacidade de seu Presidente, Padre Marcello de Carvalho Azevedo SJ e seus imediatos colaboradores na Diretoria, a crise pôde ser resolvida extra-judicialmente.  Dizia o Presidente Nacional, na sua Alocução por ocasião da abertura da IX Assembléia Geral da CRB (1971): “Em todos estes meses, atravessamos momentos terríveis, de incertezas, de angústia, de perplexidade e desalento em meio a uma humilhação sem nome diante dos bancos, dos fornecedores, das organizações internacionais, de vários organismos da Igreja em Roma e no Brasil e diante dos próprios Religiosos … E em todo este tempo, mais que procurar a priori  a recuperação da CRB, o que nos preocupou foi discernir e conhecer a vontade de Deus sobre a Conferência e perscrutá-la na obscuridade e no tumulto do que nós não conseguíamos entender.”

 

A Assembléia Geral Ordinária de 1971 aprovou o procedimento da Diretoria e deu seu aval para uma total reestruturação da Conferência, tendo em vista a retomada de seus objetivos fundacionais específicos: a promoção, animação e coordenação  da VR no Brasil. Criou-se um “Fundo de Manutenção” para a programação religiosa da CRB, enquanto todos as atividades comerciais ou puramente civis foram encerradas, com exceção do serviço da Procuradoria. Na realidade a crise proporcionou, providencialmente,  um novo nascimento da Conferência dos Religiosos que doravante pôde concentrar-se inteiramente na sua missão específica. O nome do Padre Marcello Azevedo (1927-20210) que, durante três mandatos consecutivos (1968-1979), esteve à frente da CRB (reeleito em 1971 com 96,94% dos votos!), está intimamente ligado ao novo relançamento da nossa Conferência. De fato, a crise foi uma verdadeira catarse que fez a CRB redescobrir sua identidade própria.

Relatando a IX Assembléia Geral o Frei Constâncio Nogara OFM (1934-2002), secretário-executivo da CBR, pôde afirmar: “ Houve uma convergência impressionante em alguns valores evangélicos básicos, e em torno deles o testemunho de coesão, de busca, de unidade realmente não comuns”.  E terminou sua exposição dizendo: “Após a leitura do relatório trienal das atividades da CRB, houve uma exclamação de admiração. E daí o impacto: tudo isto está agora ameaçado pela destruição, se não solucionarmos a crise financeira. Foi o primeiro passo. A quase totalidade se comprometeu materialmente a ajudar a CRB, numa consciência nítida que os valores evangélicos importam mais que os bens terrenos, que estes devem servir àqueles. Sem o testemunho do que a CRB fizera pela vida religiosa, não teria havido a solidariedade que se demonstrou”.

 

As Conferências Episcopais Latino-americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979) repercutiram fortemente entre os religiosos da nossa Pátria, questionando-os e abrindo-lhes novas perspectivas. Para acompanhar todo um processo de reflexão sobre os caminhos a serem trilhados e as respostas a serem dadas aos novos apelos provenientes da Igreja e da própria sociedade, a CRB criou uma “Equipe de Reflexão Teológica” que junto com a Revista CONVERGÊNCIA (de 1955 a 1968 circulara a “Revista da CRB”) teria uma função altamente significativa na renovação da VR no Brasil e o papel da CRB nela.

 

A CRB fez que os religiosos e religiosas do Brasil se conhecessem e apreciassem melhor no período pós-conciliar. Dizia o Padre Marcello Azevedo na conclusão de seu relatório das atividades religiosas, apresentado à IX Assembléia Geral da CRB: “Hoje o que notamos  entre nós é um voltar-se um para o outro, seja para a formação de membros, seja para a renovação dos religiosos de mais idade, seja para a reflexão sobre o sentido teológico da vida religiosa. Tudo isso está gerando um clima eclesial de confraternização, de corresponsabilidade, até hoje desconhecido.”

 

Os anos 70 marcam uma crise na Igreja pós-conciliar que atingiu de cheio a Vida Religiosa Consagrada. Sinais evidentes deste período turbulento são, de um lado. as numerosas saídas e, de outro, as poucas entradas nos Institutos. No fundo, trata-se de uma crise de identidade que se sintetiza na seguinte interrogação: “Quem somos nós, religiosos e religiosas, na Igreja e na sociedade, hoje?” Nesses anos muitos sinais externos da consagração desapareceram ou perderam seu sentido. Paulatinamente o invólucro sacral da VR é colocado em questionamento e os consagrados buscam uma vida mais em sintonia com o comum dos homens. A questão que se impunha ia diretamente às raízes do ser-religioso. Cresce a convicção de a VR ser chamada a manifestar mais claramente — através de seu próprio ser — o Absoluto de Deus numa perspectiva escatológica, mas igualmente ser convocada a exercer sua missão profética na realidade brasileira, marcada por profunda dissimetria social. No contexto crítico dos “anos de chumbo” que caracterizavam o endurecimento do regime militar, a CRB levou adiante uma fundamentada reflexão sobre a presença dos religiosos e das religiosas na realidade de exclusão e exploração. Inevitavelmente surgia a pergunta: de que lado nós, consagrados, nos encontramos? Que interesses defendemos?

A partir de Medellín são conhecidos melhor os mecanismos que geram sistematicamente a pobreza e marginalização na América Latina. A publicação da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (1975), do Papa Paulo VI, incentivou os religiosos a assumirem uma evangelização libertadora com concreto deslocamento em direção às áreas mais necessitadas da sociedade. Aumentou o número de religiosos e religiosas inseridos(as) na dura realidade do povo. A evangélica opção preferencial pelos pobres se traduz em iniciativas pioneiras de grande eficácia apostólica. A III Conferência Episcopal Latino-americana, em Puebla (1979) daria respaldo a este processo e o dinamizou. A CRB, tanto na sua expressão nacional como nas diversas regionais, acompanhava os novos rumos e oferecia subsídios oportunos de estudo. Merecem destaque neste contexto as diversas modalidades de formação intercongregacional, o CETESP (Centro de Estudos Teológicos e Espiritualidade), o CERNE (Centro de Renovação Espiritual) e o PROFOCO (Programa de Formação para Contemplativas).

 

Ao longo dos anos os religiosos, reunidos na CRB, se conscientizavam mais claramente que o Vaticano II não trouxe apenas adaptações e reformas externas, mas atingiu os fundamentos da própria Vida Consagrada, convocando os religiosos a uma nova consciência histórica, incluindo a revisão corajosa  de suas estruturas. Mais tarde falar-se-ia da necessidade de uma verdadeira refundação da VR. Os religiosos percebiam com maior nitidez que não é tanto a pertença a um Instituto que os caracteriza enquanto consagrados, mas um modo de ser cristão inteiramente voltado para a missão de Jesus Cristo e o projeto de seu Reino.

Os anos que seguiam a Puebla consolidariam os passos dados, mas igualmente revelaram contradições presentes na caminhada, mostrando, inclusive, tentativas restauracionistas por parte de certos grupos de religiosos, insatisfeitos com os passos dados.

 

 

Frater Henrique Cristiano José Matos.

Membro da Congregação dos Irmãos (Fráteres) de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, frater Henrique é pesquisador da história da Igreja, área na qual tem diversas publicações. Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1969), graduação em Curso Superior de Pedagogia – Pedagogische Akademie Sint Stanislaus (1964), mestrado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1984) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1989).

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